O que aconteceu com o mato (plantas daninhas) após 20 anos da adoção das culturas transgênicas resistentes ao Roundup no Brasil?

Com a adoção das culturas transgênicas resistentes ao Roundup no ano de 2004 no Brasil, o manejo de plantas daninhas tornou-se de forma errônea muito simplificado sendo centralizado em único método de controle, o químico, e em único herbicida, o Roundup (glyphosate). Também, essa simplificação trouxe uma descontinuidade na transferência de conhecimento de manejo integrado de plantas daninhas entre gerações de agrônomos, técnicos e produtores. 

Agora com 20 anos da tecnologia no Brasil, estamos enfrentando situações críticas no campo com biótipos de espécies de plantas daninhas resistentes ao glyphosate com altas populações em que passamos a denominá-las de espécies de “difícil controle”. Além de adoção de técnicas simplórias no campo baseadas exclusivamente no método de controle químico (herbicidas) ao invés de adoção de estratégias mais robustas de manejo integrado de plantas daninhas. 

Em 20 anos, temos 12 espécies resistentes ao glyphosate no Brasil (Quadro 1), o que equivale dizer que a cada 1,5 ano surge uma nova espécie resistente. E como ficará daqui 20 anos se não mudarmos nossas atitudes em relação ao manejo? Vale ressaltar que no Mundo já se totalizam 364 casos de resistência de plantas daninhas ao glyphosate (Heap, I., 2024)

Quadro 1 – Espécies de plantas daninhas com biótipos resistentes ao glyphosate no Brasil. 

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Ano

Nome comum

Nome científico

1

2003

Azevém 

Lolium perenne ssp. multiflorum

2

2005

Buva

Conyza bonariensis

3

2005

Buva

Conyza canadensis

4

2008

Capim amargoso

Digitaria insularis

5

2010

Buva

Conyza sumatrensis

6

2014

Capim-branco

Chloris elata

7

2015

Caruru-do-diabo

Amaranthus palmeri

8

2016

Capim pé-de-galinha

Eleusine indica

9

2018

Caruru roxo

Amaranthus hybridus 

10

2019

Leiteiro

Euphorbia heterophylla

11

2020

Capim-arroz

Echinochloa crus-galli var. crus-galli

12

2023

Picão-preto

Bidens subalternans

Adaptado de: Heap, I.  The International Herbicide-Resistant Weed Database.  Online.  2024 .  Available  www.weedscience.org

De fato, o controle de plantas daninhas dificultou porque agora precisamos reaprender a elaborar um programa de manejo integrado de plantas daninhas para cada área e reaprender sobre os herbicidas utilizados antes da era dos transgênicos.  Pois, a descoberta e lançamento de novas moléculas de herbicidas apresentam cenário pouco otimista de que tenhamos opções para nos ajudar no manejo. 

O uso de herbicidas exige conhecimento técnico-prático como:

  • Reconhecimento das espécies de plantas daninhas da área;
  • Mecanismos de ação e espectro de controle dos herbicidas;
  • Seletividade dos herbicidas à cultura;
  • Sensibilidade de cultivares aos herbicidas;
  • Compatibilidade de mistura de herbicidas; 
  • Posicionamento e técnica de aplicação mais adequada;
  • Recomendação de doses de herbicidas em pré-emergência;
  • Potencial de carryover dos herbicidas utilizados;
  • Uso de bioestimulantes para minimizar os impactos de herbicidas nas culturas. 

 

O uso de bioestimulantes para recuperar injúrias causadas por herbicidas acredito ser um grande aliado na nova era de manejo de plantas daninhas de “difícil controle” uma vez que a seletividade dos herbicidas não é de 100% e as doses e/ou os números de ingredientes ativos utilizados tendem a ser maiores.  

A propósito, o aumento de dose de herbicida nem sempre é a melhor estratégia a ser utilizada, pois a pressão de seleção é aumentada e acabamos selecionando os biótipos cada vez mais resistentes. Utilizar, exclusivamente, outro mecanismo de ação também não é a melhor opção. O exemplo claro desse fato é o capim-amargoso com resistência múltipla – Roundup e aos herbicidas inibidores de ACCase, que foram utilizados como única forma na tentativa de resolver o problema de resistência. 

Para reflexão: Outras espécies de plantas daninhas também estão presentes na área e será que estão sendo selecionadas e logo teremos biótipos resistentes? Infelizmente, a resposta é sim, é uma questão de tempo. Em geral, quando se detecta a presença de plantas daninhas resistentes a herbicidas na área, a pressão de seleção ocorreu há 5 a 7 anos antes. Porém, a pressão de seleção pode ser reduzida a depender das atitudes que tomarmos. 

Enfim, o mato responde ao manejo que praticamos na área, ou seja, a composição das espécies e quantidade de plantas daninhas é alterada em função das práticas de manejo adotadas. 

Referência bilbiográfica

Heap, I.  The International Herbicide-Resistant Weed Database.  Online.  Tuesday, April 16, 2024 .  Available  www.weedscience.org 

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Marcelo Reis é criador do Método Sem Mato. Especialista em Herbicidas e Plantas Daninhas.
Engenheiro Agrônomo, Doutor em produção vegetal pela Universidade federal de Viçosa.

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